São diversos os caminhos que levam peregrinos para Santiago de Compostela, na Espanha. O mais tradicional é o Francês, que começa na cidade de Saint-Jean-Pied-de-Port, no sul da França, e tem cerca de 800 quilômetros passando por diversos cenários melancólicos contendo castelos, histórias dos cavaleiros templários, igrejas, vilarejos e povoados. Em abril, o empresário duovizinhense Gilson Tedesco, juntamente com três amigos, fez a caminhada. Ele falou sobre os desafios encontrados no trajeto e como a caminhada mudou sua vida.

JdeB – Como surgiu a ideia de fazer a caminhada de Santiago de Compostela?

Gilson Tedesco – É um desafio que há dez anos eu estava buscando. Aceitei o convite dos meus amigos e fomos. É uma dificuldade gigante, é desafiador e eu posso dizer que, quem conclui, sai de lá com a cabeça totalmente diferente. Nós, seres humanos, estamos sempre em busca de algo a mais e, depois do caminho, acabei vendo que não se tem necessidade de ter tanta coisa porque você pode viver com muito pouco. Lógico, eu construí um império e não é porque eu fiz o caminho que vou sair me desfazendo de tudo. Eu falo isso porque no 11º dia eu perdi minha mochila, o Correio foi lá e pegou ela enganado. Era uma terça-feira e tinha vários feriados e a situação só voltaria ao normal na outra quarta. Eu fiquei sem absolutamente nada. Só com a roupa do corpo. Meus remédios, tudo foi. Aí você começa a ver como existem seres humanos bons. Eu fiquei sete dias lavando roupas à noite para o outro dia e nas aldeias que passávamos não tinha estrutura pra comprar roupas. No primeiro dia eu fiquei muito chateado, mas depois eu fui vendo que era uma provação. Quando recebi novamente a mochila, ela chegou pesando 9,3 quilos. Fui descartando coisas desnecessárias e ela ficou com 5,8 quilos porque realmente o que eu tinha levado era inútil. E o pior é que aquilo que eu fiquei, acabei não usando parte. E se você for fazer uma análise da vida, às vezes, eu abro o guarda-roupas e tem 15, 20 calças jeans. Você precisa de tanto? O bem material tem valor sim, mas a vida tem mais valor que isso. O sentido da vida, de estar fazendo reflexões e conhecendo teu eu interior é muito fantástico.

JdeB – O que o peregrino encontra na caminhada?

Gilson Tedesco - No começo, eu tinha levado o mapa do caminho que mostrava as dificuldades e no quarto dia eu apaguei. Não queria mais saber. Eu foquei em acordar e sabia que tinha que fazer 28 ou 30 quilômetros por dia e ia conseguir. Não ia desistir. Quando chegávamos numa montanha, por exemplo, que tinha pedra, barro ou estava chovendo, eu não olhava para cima. Eu olhava para a frente. Se ficarmos nos preocupando com o que vamos enfrentar, não dá certo. E é assim na vida, nos preocupamos por antecedência, antes de chegar no fim. O que nós tínhamos em mente? Foco, força e fé. O caminho traz isso, além de uma forma de se relacionar muito forte. A gente é ninguém, se não tivermos ninguém. Lá encontramos pessoas do mundo todo, de vários idiomas, religiões, idades e chegou um momento, por exemplo, que o meu pé começou a ficar úmido e eu não entendia o motivo. Aí eu parei, tirei a bota e meus pés estavam ensanguentados, os dois. Eu não entendia, mas quando eu arrumei minha mochila, coloquei quatro pares de meia, pois tem que ser uma meia especial para fazer essas caminhadas longas e eu coloquei uma meia errada que cortou meu pé inteiro. Eu falei para um colega que eu tinha que ficar e ele olhou pra mim e disse: eu vou te dar uma meia. Ele pegou a única meia que sobrava para ele e me deu para seguir a viagem. Ele podia, simplesmente, falar que não tinha o que fazer.


JdeB – Esse foi o pior momento?

Gilson Tedesco – Teve vários momentos de dor e cansaço. No 15º dia, por exemplo, paramos em uma aldeia e o Elói falou que não aguentava mais, o pé estava muito doído, cheio de bolhas. Aí, tinha sete senhoras se preparando para caminhar, elas eram todas médicas da Inglaterra. Uma delas arranhava o português, se aproximou e pediu se poderia ajudar. Ele disse que não sabia porque o pé estava feio. Ela disse que ia fazer um curativo, chamou outra médica, pegou, fez uma limpeza, um curativo e pediu para esperar duas horas para prosseguir. Aquilo foi como tirar com a mão. Elas poderiam, simplesmente, ignorar e seguir, mas existe uma cumplicidade entre as pessoas que estão fazendo o desafio porque ali não tem rico, pobre, idoso, novo, todo mundo é igual. A dificuldade do outro é igual a nossa. Todo mundo vai passar fome, frio e sono. Esse senso de igualdade é muito importante. O caminho é mágico, você faz uma reflexão da vida por inteiro.


JdeB – É uma caminhada muito introspectiva...

Gilson Tedesco – Você não caminha junto com seus companheiros o tempo todo, aí tem momentos que você se pega chorando ou sorrindo sozinho, enfim, são diversas sensações. Os primeiros dias são os mais difíceis e, se você se concentrar que vai chegar, consegue. Nos últimos dias, estávamos com muita ansiedade de chegar em Santiago, passa um filme da tua cabeça, você faz muitas reflexões. É uma energia que não se pode explicar. Tem um lugar onde você faz a tua cruz e coloca e deixa lá. Isso é marcante, é a cruz que você carrega na vida. É uma coisa mágica. Quando chegamos também na cruz de ferro, a energia que tem lá é indescritível. Naquele lugar, cada indivíduo que passa lá deposita uma pedra da sua cidade. Já virou uma montanha de pedras.


JdeB – E a chegada em Santiago, como é?

Gilson Tedesco - Quando chega em Santiago, você desmorona. A energia que tem lá é difícil de descrever, é muito forte. O caminho tem histórias muito fortes porque apóstolos passaram por ali. O Tiago, por exemplo, levou vários seguidores ali seis anos depois que Cristo tinha morrido e, conforme ele passava, ele ia levando ou deixando pessoas. Aí se formaram aldeias. Tem umas histórias bem bacanas. É muito emocionante.


JdeB – O interessante é que você está no primeiro mundo, mas o caminho se mantém bastante rústico...

Gilson Tedesco – Sim, é isso. Se eu quiser ir para uma cidade, basta desviar o trajeto, mas o caminho está lá, composto por pedra solta, barro, passa em riachos, banhados e mais. O mundo acontece ali perto, mas o caminho é um ‘mundo paralelo’. Ele tem várias placas indicando por onde se deve seguir, são pilares com seta.


JdeB – Estar bem fisicamente não basta para fazer um caminho desses.. Precisa estar com a cabeça boa?

Gilson Tedesco – O físico importa, mas se você estiver preparado psicologicamente você consegue. Eu me preparei durante nove meses. Saia pelo interior, sempre carregando algum peso, buscava características semelhantes, com o cajado, mas o mais forte foi o psicológico. O sentido da vida é esse. Quando projetamos as coisas, mentalizamos e temos o objetivo traçado, você alcança. Eu acordava todos os dias e não ficava me preocupando com o quanto ia caminhar, eu sabia que ia chegar, eu queria chegar. E eu cheguei. A vida é assim, quando você mentaliza o que quer, o maior perigo é alcançar.


JdeB – Durante o caminho se pensa em tudo..família, empresa?

Gilson Tedesco – Primeiro vem a família, depois vem os amigos, aí vem as coisas ruins que você fez. Você se perdoa, porque acho que o perdão faz parte. A empresa também. Eu tive um período de férias depois, mas tive que voltar antes porque meu pai não estava bem. Meus irmãos falaram que ele não ia aguentar. Aí, quando eu fui do lado dele, ele pediu porque eu tinha feito aquilo com ele, tinha fugido e ido embora, deixado ele sozinho. Isso foi no sábado e no domingo ele estava caminhando. Era saudade. Eu pedi perdão pelos erros que cometi com ele, com meus irmãos, com a família toda. Eu voltei numa paz, numa coisa gostosa e quero que isso continue comigo.


JdeB – Durante o caminho, se consegue desfrutar das paisagens?

Gilson Tedesco – Isso era uma coisa que ajudava bastante. As plantações, criações de ovelha, os rebanhos. Teve um dia que caminhamos o dia todo do lado de um rio, com água cristalina. Aquilo te traz energia. Grande parte do caminho é na natureza e isso ajuda bastante. As plantações de videira ao longo dos 780 quilômetros. Durante todo o percurso, quando as aldeias eram muito distantes, tinham as barraquinhas, as vezes com pessoas, as vezes sem ninguém, com frutas, suco de uva, suco de laranja, coisas da região e você consumia e não necessariamente precisava pagar. Todo mundo acabava deixando alguma coisa. Isso tinha muito ao longo do caminho. Durante o caminho a gente se desliga completamente.


JdeB – Você tinha dado ‘um tempo’ de Ciss, voltou e parece que a empresa agora vive um grande momento. Numa entrevista anterior, você disse que não ia sossegar até fazer um produto top mundial. Está perto disso?

Gilson Tedesco – Tá perto. Muito perto. Daqui a pouco vai estourar. Esse desafio está quase sendo cumprido. Estamos vivendo um grande momento na empresa, estamos muito bem. Temos vários altos e baixos, mas agora a Ciss, eu acredito, vai crescer muito. Prova é que a gente já contratou esse ano mais de 50 pessoas, acredito que temos 25 vagas abertas. Em março, compramos um ônibus para trazer o pessoal de Francisco Beltrão e ele lotou, agora compramos outro maior e estamos achando que até o final do ano vai lotar e o outro deve voltar a fazer esse trajeto. Em Dois Vizinhos, a gente forma muita mão de obra para garantir o futuro. Estamos satisfeitos com o momento da empresa.

Fonte: Alexandre Baggio/ Jornal de Beltrão

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