Ana Dranka Coletti tem 87 anos e nasceu em Piên, na região metropolitana de Curitiba.
Foto: Arquivo Pessoal
737
Na última semana, o Programa Sete e Meia da Rádio Educadora recebeu uma grande personagem de Dois Vizinhos: a Dona Nucha Coletti. Filha de Inácio e Helena, Ana Dranka Coletti está com 87 anos e teve nove irmãos (apenas uma está viva). Em 1954, casou-se com Ervelino Coletti (em memória), com quem teve seis filhos: Terezinha, Linda, Vani, Rose, Venilto Antônio e Solange. Ela lembra como era Dois Vizinhos ao chegar. “Tinha duas, três casas. Era pouca gente. O Coletti disse pra gente vir para cá porque era lugar de futuro. Ele veio, comprou uma casinha velha que o pessoal colocava outras pessoas dormir, um hotelzinho bem mixuruca. Entramos ali e, quando chovia, molhava toda a casa. Era assim, mas era muito bom”, disse.
Ao chegar no município, a família melhorou a hospedaria, que estava instalada na esquina da Rua do Comércio com a João Dalpasquale. “A madeira veio de Bom Sucesso, da serraria do meu pai, e o Coletti construiu. Essa madeira tinha 5 metros e meio de comprimento. A gente construiu também a casa para ‘por’ a loja. Em cima era dormitório. Tinha também uma cadeia de madeira. A ruazinha já existia em partes, aí a gente foi abrindo. Quando viemos de mudança, já trouxemos a Terezinha (primeira filha). Eu lembro que ganhei meu enxoval quando casei e o meu pai falou que nem precisava bordar o lençol porque eu vinha para o sertão.”
Para alimentar os hóspedes, ela criava animais e tinha verduras e legumes plantados no terreno. “A gente comprou ali uma quarta de terra. Com muita dificuldade, construímos o hotel da forma que dava, a gente era muito pobre, fazia o que podia. Eu plantava bastante, tinha uma horta grande, tirava muita verdura ali, porque não tinha mercado, a gente tinha que fazer o possível para ter as coisas. Sempre dando um jeitinho. Criava galinha, quando terminava a carne, fritava ovos e servia o pessoal. Lavava roupa no Rio, não tinha água encanada. Aí levava as crianças junto pra dar banho e já trazia limpo pra casa.”
A paixão pelo marido foi à primeira vista. “Meu pai comprou um moinho que era dos Coletti em Bom Sucesso. Eu cheguei, uma menina de 14 anos, e me engracei no Coletti. Achei ele coisa mais linda. Ele tinha uma namorada e eu fui passear na casa da namorada dele com ele e a irmã dele. Ela ficou com ciúme de mim e deixou dele. Que bom. Aí ficou só meu”, disse.
O empreendedorismo sempre fez parte da vida de Dona Nucha que cuidava do hotel e, constantemente, ia para São Paulo para trazer produtos que seriam comercializados em uma loja de secos e molhados. “O Coletti comprou um caminhão e puxava suíno pra São Paulo (SP). A gente ia junto, fazia as compras, carregava o caminhão e trazia diversas mercadorias. Comprava tecido, mantimentos, panela, uma vez o Coletti trouxe meia carga de pinico porque o preço estava bom. E vendeu tudo. Os filhos todos ajudavam na empresa que virou, em seguida, o Comércio Pagnoncelli”, completa.
Revolta dos Posseiros
A filha, Vani, nasceu durante a Revolta dos Posseiros. “Eu ganhei a Vani de noite, de manhã ele levantou e foi para Pato Branco receber os soldados que iam ficar no hotel. Aí os colonos baixaram para Dois Vizinhos, todos armados, aí eu tive que levantar porque tomaram conta do hotel. Aí eu tinha um saco de sal na dispensa, eles pegaram o sal, mataram a vaca do Saraiva Piana, temperaram, e comeram a vaca. Eram todas famílias amigas. Nesse dia, tinha uma dispensa, e um buraco onde a gente colocava as bebidas gelar, no porão, e eu coloquei a Terezinha, a Linda e a Vani, recém-nascida, lá dentro, de medo. Trabalhei o dia todo fazendo comida para o pessoal”, lembrou Dona Nucha.
Em um dos dias da revolta, um avião cruzou os céus duovizinhenses e assustou todo mundo. “Era um domingo, pessoal todo na missa e, quando saíram, passou um avião. Todo mundo ficou assustado, não sabia o que estava acontecendo. Eu peguei a toalha da mesa, branca, e abanava para dizer que estava em paz. Quando esse avião começou a andar, o Coletti abriu a loja e todos os colonos entraram e começaram a esconder as armas de medo que viesse a polícia e o exército e levassem tudo. Depois o povo nem lembrava onde tinha guardado e, de vez em quando, a gente achava umas armas perdidas”, conta.
Os primeiros habitantes...
A filha, Terezinha, conta que a hospedaria da família recebeu muitos pioneiros. “No hotel ficaram todos os primeiros profissionais do município. O primeiro contador, o primeiro padre, o pai trouxe, o Padre Florêncio, o primeiro construtor, todos moraram lá. Ali que começou a cidade. Foi uma história muito bonita de ver a cidade começar por pessoas que só tinham experiência prática, não tinham faculdade nenhuma e faziam as maravilhas que fizeram. Eu acompanhei muita coisa. Um dos fatos que meu pai contava é que quando chovia, porque a gente ia muito a Bom Sucesso, para voltar, a gente vinha a pé de Bom Sucesso. Dormia no Verê, levantava de manhã e vinha até Dois Vizinhos. Chegava aqui feliz da vida, o pai comprava uns óculos de sol de plástico e a gente adorava. O pai foi vereador em Pato Branco representando Dois Vizinhos e ele ia a pé para as sessões quando chovia e a gente foi muitas vezes junto. A mãe ficava cozinhando no hotel, cuidando da loja, indo para São Paulo”, disse.
A filha Vani lembra que muitos primos foram acolhidos pelos pais e viveram na casa da família. “Na família do meu pai, muitos ficaram órfãos muito cedo. Quando a mãe casou, as cinco cunhadas moraram com ela. A gente se criou sempre com muitos primos, muitas tias, uma família de muita gente. E a gente vivia muito em comunidade, com os vizinhos, fazia pão, bolacha, tomava chimarrão. Era muito bom”, conclui.
Fonte: Portal Educadora